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“Enquanto durmo, este povo silencioso de estátuas e pinturas, esta humanidade remanescente, paralela, continua de olhos abertos a velar pelo mundo a que, dormindo, renunciei. Para que o possa encontrar novamente ao descer à rua, mais velho eu e precário, porque mais duram afinal as obras da pedra e da cor do que esta fragilidade de carne. [...] Percorro mais uma vez os Uffizi, para mim o museu que soube permanecer na dimensão exatamente humana, e que é, por isso mesmo, um dos que mais amo.”

Saramago

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Pelo direito à rua - por Antonio Fabiano Jr.

Por : Antonio Fabiano Jr.

  A rua é o espaço materializado do coletivo. Ela pode ter infinitas formas, infinitos jeitos, infinitas vocações mas é sempre isso: uma rua. Lugar onde move-se o vento, ao som da música de gente, de coisas e de sonhos coletivos. A rua é arquitetura enquanto movimento e somente da experiência do lugar podem nascer as exceções que dão forma à ela.
   E no meio desse percurso, dessa - ou de qualquer outra – cidade formada por essa – ou de qualquer outra - rua, descobre-se a chave de um mundo complexo. Descobre-se a fascinação e o encantamento de mistura de ciências e humanidades, escultura e pintura, bênçãos e crendices, beleza e feiúra. Descobre-se que o que parecia feio, num primeiro olhar, na realidade tem uma beleza pura. Pura e simples beleza. Descobre-se também a beleza de querer fazer uma cidade.
   O que está em jogo na luta pela transformação do MIS Campinas em cinema gratuito para a cidade não é uma simples criação e adequação de espaços físicos frente à um grande programa dentro de um valor de pertencimento local imenso que o edifício carrega. Isso seria fácil. Bastam cadeiras, um projetor e equipamentos de som. A reivindicação aqui é outra. De outra magnitude e de outro valor social.
   O cinema não tem tempo. Podemos ver o mesmo filme milhares de vezes e em todas estas vezes ele, enquanto produto, será rigorosamente igual. Mas o ato de assistir o torna único. A efemeridade que a arte tanto trabalha está nessa chave. O mesmo filme confrontado com a pessoa - que muda constantemente -, com o espaço - que muda constantemente - e com as outras milhares de condicionantes – que mudam constantemente – fazem o ato do cinema ser único. A chave desta luta está na mudança – do homem e do espaço - para que ele, o homem, entenda e valorize o espaço.
   A complexidade vivida na luta por um cinema de rua nesse ambiente é experimentada como uma série de elementos contrapostos formando um amplo espectro de espaços sociais na paisagem aberta, não só de valor histórico, estético, arquitetônico e cultural.
   Não é uma luta por mais uma sala de cinema da cidade.
   Não é uma luta por uma revitalização de um edifício de importância história para a cidade.
   É uma luta pelo direto à rua. À cultura. E ao homem.
   Temos aqui duas chaves: a do valor da cultura e a da experiência da cultura.
   Cultura é inclusão, é uma porta de entrada para que tenhamos uma sociedade mais justa e mais humana.
  Cultura é experiência. É ato em si. É possibilidade de permitir que pessoas conheçam novas pessoas, que pessoas se reconheçam em outras pessoas e que pessoas enxerguem o solo que as sustentam assim como sustentam todas as outras pessoas.
   Cultura é essência e origem.
   Cultura é o cultivo do tempo e do espaço.
   Cultura é rua.

E rua sempre será o habitat do coletivo.

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