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“Enquanto durmo, este povo silencioso de estátuas e pinturas, esta humanidade remanescente, paralela, continua de olhos abertos a velar pelo mundo a que, dormindo, renunciei. Para que o possa encontrar novamente ao descer à rua, mais velho eu e precário, porque mais duram afinal as obras da pedra e da cor do que esta fragilidade de carne. [...] Percorro mais uma vez os Uffizi, para mim o museu que soube permanecer na dimensão exatamente humana, e que é, por isso mesmo, um dos que mais amo.”

Saramago

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

PELA CONCLUSÃO DA SALA GLAUBER ROCHA


Campinas assistiu passivamente o fechamento dos Cinemas que existiam no Centro da cidade. Um fenômeno que ocorreu em todo o país, vitimando, sobretudo, os chamados “cinemas de rua”, motivado pela especulação imobiliária; a migração das salas de cinema para os shoppings acabou por “elitizar” um divertimento outrora popular. O último combatente a cair foi o Cineclube Paradiso cuja programação privilegiava as cinematografias europeia, asiática e latina (aqui, incluo a nacional) que não encontram espaço nos “cinemas de shopping” dominados pelos blockbusters produzidos em Hollywood.



No último dia 30 de Novembro quem fechou as portas foi o Cine Topázio, que apesar de funcionar dentro de um shopping, destinava duas de suas salas ao mesmo tipo de filmes que o público de Campinas antes só encontrava no Paradiso. A notícia de seu fechamento fez com que os frequentadores do Topázio se mobilizassem e através das redes sociais expusessem toda a sua frustração, a cidade ficaria carente desse tipo de programação. A repercussão nas redes sociais, no entanto, fez com que o poder público se manifestasse, cobrado que foi pelos munícipes, afinal o fechamento do Topázio empobreceria culturalmente a cidade.

A verdade é que pelo Topázio nada mais pode ser feito, mas isto não significa que a mobilização iniciada por conta de seu fechamento não deva prosseguir, até porque há uma saída e ela se localiza na rua Regente Feijó, que abrigou tantos cinemas no passado (Windsor, Regente e Bristol), dentro de uma das mais belas construções da cidade, o Palácio dos Azulejos, onde funciona o Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas. Neste museu se preserva parte da História da nossa cidade, sua memória audiovisual. Trata-se de um rico acervo, constantemente, ameaçado pelos problemas de infra-estrutura que o prédio apresenta. Além de cumprir este importante papel para todos os moradores da cidade, o Museu serve como centro cultural, uma vez que realiza inúmeras atividades como cursos, palestras, exposições e sessões de cinema. Infelizmente, as exibições de filmes acontecem há anos em salas improvisadas, funcionando mais como um espaço de resistência, mantido pelo espírito cineclubista de seus frequentadores. Mas estas sessões poderiam ocorrer em melhores condições, fosse concluída a sala de cinema iniciada há algumas administrações.

Parece-me que este é o momento de se cobrar do poder público uma definição sobre a sala de cinema antes que o tempo a deteriore ainda mais, comprometendo o pouco que já foi feito. No início de 2014 foi noticiado que o MIS receberia R$ 1,3 milhão do Ministério da Cultura para reforma do prédio. Na oportunidade foi dito que dentre as reformas previstas estava a conclusão da sala de cinema. Passado quase um ano nada foi feito, desta forma, cobra-se alguma explicação, até porque tornou-se urgente, dados os últimos acontecimentos, a conclusão da sala de cinema e as devidas reformas que tornem o Museu da Imagem e do Som adequado para receber um público sequioso por cultura.

Sem mobilização, sem exigir do poder público que os investimentos sejam feitos pouca coisa mudará. Devemos lembrar de uma das frases mais marcantes de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, filme do cineasta brasileiro Glauber Rocha, que será homenageado com o nome da sala de cinema, de que “mais forte são os poderes do povo”, um lembrete de que sem a pressão popular as autoridades tendem a se acomodar.

(publicado na coluna de Ricardo Pereira no jornal Bom Dia Campinas)


Um comentário:

  1. Com certeza com uma grande mobilização e agregando pessoas que se importam com o espaço e a cultura , vamos conseguir mudar para melhor o MIS.
    ^^

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